Um pouco da História...

Nosso pé de manjericão: Um clássico da Ilha

Nosso pé de manjericão: Um clássico da Ilha


Um clássico da Ilha


Dia 22 passado, completando o quadro das festas de outubro no Estado de Santa Catarina, começou a Fenaostra (Festa Nacional da Ostra). É um evento democrático, porque tem programação para todos os gostos... e bolsos. Há concursos de gastronomia, shows de artistas nacionais, stands de todos os produtores de ostra da Ilha, restaurantes que servem os mais variados pratos... de ostra! E, um dos restaurantes que vale a pena conhecer lá dentro é o Ostradamus (aliás, os restaurantes que têm a iguaria como carro-chefe aqui em Floripa, também têm nomes muito divertidos, como o Maria vai com as Ostras, o Umas e Ostras e o próprio Ostradamus - acho que já falei sobre isso em algum outro post). O diferencial do Ostradamus é que ele é o único do País que trabalha com ostras depuradas, o que dá ao cliente a segurança de estar sempre comendo um produto de qualidade e livre de qualquer contaminação.

Conhecer o Ostradamus vai além da experiência gastronômica em si. O restaurante, pitoresco por natureza, tem o melhor atendimento da cidade. E não é exagero. Infelizmente, Santa Catarina ainda precisa aprender muito no quesito "cuide bem do cliente que ele volta". Mas esse restaurante nos surpreendeu não apenas pela qualidade da comida, mas ainda pela criatividade dos pratos e cuidado com o cliente. O dono, um ex-mecânico que ingressou no universo gastronômico quando comprou uma moenda e passou a vender caldo-de-cana na praia (só depois de alguns anos e cursos é que veio a ideia do restaurante, que hoje é um clássico da Ilha) cuida pessoalmente de tudo, inclusive ajuda seus funcionários ,limpando as mesas e colocando os pratos, isso é fantástico! Talvez esse seja o segredo do sucesso desse homem: a humildade aliada ao talento!

Entre as delícias do cardápio do Ostradamus, que você pode encontrar na Fenaostra, estão a ostra Seo Baldança (com queijo Roquefort e fatias de peras), a Do Mecânico (em homenagem ao proprietário - com queijo Brie, manga e maçã) e a ostra com Gengibre (foto deste post).

No mais, a Festa Nacional da Ostra vai até o dia 31 de outubro e, quem quiser conhecer um pouquinho mais sobre ela e não tem a oportunidade de vir esse ano, pode clicar aqui (mas fica nos devendo uma visita para o ano quem vem, sem falta!).

A bruxa do Ribeirão


Quando a ilha de Florianópolis era Desterro, as bruxas costumavam visitar os cemitérios, especialmente no interior e somente à noite.

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Da Série "Recordações Açorianas X".

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No século dezenove a ilha se revela calma e tranquila. Ilha de Santa Catarina de Alexandria, que preferiu morrer a deixar de lado suas crenças e convicções. Mas, naqueles tempos de uma capital serena e bem provinciana, vez por outra, fatos estranhos costumavam acontecer, parecendo agora que a modernidade acabou com eles.

Manoel, de apelido Bieli, é um pescador do Ribeirão, comunidade açoriana da parte sul da ilha. Tira do mar o sustento, ajudando o pai na pesca dos peixes dadivosos da baía, engastada entre o continente e os morros ilhéus. Usa da tarrafa para trazer à terra saborosos camarões, como também auxilia a família na beira do mar, principalmente as mulheres, na faina trabalhosa da catar berbigões. Pecador solteiro, na juventude de seus vinte e cinco anos, gosta de usar os domingos para esquecer o mar e tentar algum namoro com as moças casadoiras da freguesia.

Numa tarde de domingueira conheceu Nina, morena clara, baixinha, longos cabelos anelados, bem feita de formas, pernas roliças e firmes escondidas dentro do vestido de chita, que melhor se delineavam cada vez que se sentava no banquinho da praça, em frente à igrejinha de estilo português. Uma pequena berruga na testa, julgava Bieli, fazia com que ela parecesse mais bonita e interessante, adereço ilhéu tão comum naquela gente açoriana. Ele, num sábado, quando a missa da boquinha da noite terminava, se declarou a ela na escadaria de pedras irregulares e largas, passadiço que levava os fiéis à reza na igrejinha simples.

Ela o olhou com candura e declarou o seu sim, o que fez o venturoso Bieli catar estrelas ao invés de berbigões. Apesar do firmamento carregado de nuvens escuras, ele relembra aquela noite com emoção e afirma que as estrelas e meteoros nunca se fizeram tão brilhantes, um imaginário luar de contornos prateados e suaves.

E voltou ele ao mar na segunda, com vontade redobrada de mais peixes tirar da baía, já pensando em viver com a amada num ranchinho próprio.

Na outra semana, numa sexta-feira, ele vai com o amigo Édi, assim chamado por ser muito trabalhoso falar Edeclésio, para a região de Naufragados, no extremo meridional da ilha, em busca de peixes maiores que aumentam também a renda suada.

No meio da pesca o vento nordeste começa de mansinho, paa em seguida aumentar e não lhes permitir a volta. A frágil embarcação, movida a remo e verga de bambu, não conseguiria retornar ao ninho. Eles evitam a briga com o mar e se deixam levar à terra no sentido inverso, aportando bem perto da saída das águas para o mar do oceano. Estão em Naufragados, região erma e desabitada, de muitas histórias de tormentas e naufrágios. Escondem a canoa e procuram abrigo. Por sorte, levaram pão e água, que faz enganar a fome. Os peixes eram poucos e a noite começava com um negrume maior que o normal. Eles se acomodam num canto de mato, pensando em ali passar a noite e voltar no outro dia costeando as margens da ilha, se o vento nordeste não arrefecer.

De repente. o Édi aponta na direção do sopé do morro. Vira ao longe uma luzinha bruxuleante que acendia e apagava. Bieli também divisa o estranho e fugidio vaga-lume, formado pelos açoites do vento na galharia. Resolvem se dirigir para lá. Talvez consigam uma refeição um pouco melhor, um calor de fogo que lhes retempere o ânimo. Perdem muito tempo andando, pois a escuridão é quase total.

Em determinado momento da caminhada começam a ouvir um canto. Um refrão repetitivo de vozes estridentes e femininas, palavras ininteligíveis e gargalhadas, talvez uma outra língua. Eles seguem adiante, já com certo medo. O clarão de fogo começa a aumemtar e melhor se delineia no escuro de uma noite sem lua e sem estrela.

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Sabiam os nativos que a ilha era habitada por bruxas do bem e do mal.

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E, como por encanto, abre-se uma clareira e eles, mudos, petrificados, amparados pelo negrume da noite, veem à sua frente um espetáculo dantesco. Na clareira, iluminada por uma grande fogueira no centro, estão a dançar umas vinte, talvez trinta mulheres encarquilhadas e horríveis. Vestem longas túnicas negras, grossas sobrancelhas e rostos angulados, narizes pontudos.

Apertam vassouras de mato nas mãos nodosas e de longas unhas, algumas de chapéu cônico, outras de coques que quase escondem o cabelo cor de galho seco, acinzentado. O vento nordeste sibila insistente, mas nada se remexe na clareira. Parece que ali o vento não entra.

Executam elas uma dança tétrica em torno do fogo. A roda que formam ora segue para um lado, ora para o outro. Ao lado do fogo, numa pedra lisa que mais parece uma mesa, com um tipo rústico de toalha feita com pequenos pedaços quadrados de tecidos das mais diversas cores, estão alguns objetos em metal e pedra, amuletos sinistros, dentre os quais se destacam um enorme novelo de corda e a estatueta de um abutre querendo alçar voo. Comentários havia em toda a ilha faceira a respeito desses horrores. Agora, porém, os dois pescadores adquirem a certeza de que naquele lugar de pesadelo há uma reunião de bruxas, talvez um sabá que tenha até a presença do Tibinga, o capeta ilhéu.

E elas continuam cantando sem cessar a estranha melodia, antes bem fraca e agora ensurdecedora, pontilhada de gritos e risadas macabras. Um caldeirão a exalar vapor ou fumaça assoma em seu aço de um negro brilhante, que uma delas remexe metodicamente. Pegam elas canecas de barro e provam do estranho preparado, que parece fazer com que voltem à roda com mais vontade e fervor, continuando o canto sibilante e histérico. Eles permanecem na treva, olhos arregalados, mudos e paralisados de pavor.

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De repente uma delas pára o canto esganiçado, sai da roda, volta-se para eles e lhes aponta o longo dedo indicador. O ohar que despeja é terrível. Parece penetrá-los, possui-los, fazendo com que permaneçam quais estátuas de pedra e medo ante a terrífica medusa. Ela ri uma risada horrenda, o olhar penetrante lhes atravessa a alma. As outras, ao notar que a companheira parara, param também e se voltam na mesma direção. E os dois homens, apavorados, têm a fitá-los não um daqueles olhares terríveis, mas todos os olhares macabros do mundo.

Elas param a dança, as feições maléficas na direção da sombra, uma risada em coro que finalmente tem o condão de lhes despertar do torpor. Bieli e o amigo voltam a si e disparam em desabalada carreira na direção do mar, pois nas histórias de roda de fogo tinham ouvido dizer que as bruxas detestavam água.

Elas não os seguem e retornam ao canto, mas, para eles, todas as bruxas da terra estão ali atrás. Ao chegar à praia, fazem retornar a canoa à baía com todo desespero que as forças permitem. Arquejantes, lançam-se ao mar e passam uma noite diabólica, brigando com o vento e as ondas.

É de manhã quando aportam na freguesia. E contam para todos a aventura da véspera, sendo recebidos com o riso de muitos e a dúvida de poucos.

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No domingo, Bieli encontra a sua Nina e lhe conta o ocorrido. Ela o ouve de olhos baixos, tranquila. Quando ele termina, estranha a placidez da amada.

Neste momento, ela levanta os olhos para ele e Bieli tem um frêmito de pavor. E sabe, com aterradora certeza, que já vira antes o olhar da namorada, o mesmo olhar da bruxa que primeiro descobrira os dois intrusos.

Desta vez não foge, pois sabe que não adiantaria. Já está inexoravelmente dominado. Ela pega a mão gelada do pescador e eles começam a passear em torno da praça.

Nina irá conduzi-lo pelo resto da vida.

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As casinhas de estilo açoriano do Ribeirão da Ilha.

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Livro recomendado: Franklin Cascaes, o mito vivo da ilha (mito e magia na arte catarinense). Adalice Maria de Araújo. Editora da Universidade Federal de Santa Catarina.